O Baile da Alegria

Você anda pela rua despreocupado, passando pelas pessoas e discretamente as avaliando. Qual seria a aventura do dia? Flertaria com alguém? Brincaria no parque com uma criança desconhecida? Jogaria xadrez com os velhinhos da praça? Esbarraria propositalmente em alguém? Roubaria fotos 3x4 perdidas por aí?

Aumenta o volume da música que ressoa em seus fones de ouvido, já que é sua música favorita a que começa. Esse é um daqueles dias onde as aventuras se escondem no tédio de um dia ensolarado, pensa. Decide pegar um ônibus, talvez ao ir para a cidade vizinha encontrasse algo interessante. Ah, dias de férias... tão chatos... suspira você com seus botões, enquanto cria uma playlist no celular que se encaixa com seu humor.

Seu ponto chega, você desce. Sem perceber, seus passos seguem o rumo das batidas. Maldito hábito de dançarino. Suspira novamente. Um dia tão bonito, e tantos suspiros para roubar sua sorte...

Caminha até a praça, tentando ver se ali acharia algo interessante. Nada, além do ponto violeta que era o cabelo de um garoto que distribuía flores aos transeuntes. Eram belas flores, e um belo garoto, mas não era bom o suficiente para que seu tédio fosse embora. Outro suspiro.

Cansado, você se senta em um dos bancos de madeira distribuídos por aí. Talvez fosse uma boa jogar xadrez com os velhinhos. Eles, pelo menos, têm boas histórias para contar.

Olha para o céu e ri. Ri de seu tédio. De sua solidão. Todos os seus "amigos" que não estavam a viajar provavelmente estariam em um encontro com seus "relacionamentos sérios", como diria o status daquela rede social que, aliás, você não possui conta.

Quando vê, seu riso contido se torna uma gargalhada, e já está rolando no chão e com a barriga a doer. As pessoas começam a olhar, mas não liga. Que olhem, pensa, pelo menos não estou mais entediado. Percebe que sua música favorita voltou a ser reproduzida, e um tanto insano pela gargalhada repentina, desconecta os fones do celular.

Todos podem ouvir mas seu "modo foda-se" está ligado, e os olhares raivosos não afetam seu sorriso. Causar um desconforto geral por uma música alta parece uma aventura interessante. O garoto de cabelos violetas lhe sorri, e você retribui.

Uma ideia lhe estala a cabeça. Ora, por que não? Vai até uma garotinha que está jogando pão aos pombos, e lhe estende a mão.

– Senhorita, me concederia a honra desta dança?

A menina olha com estranheza, mas aceita. Você escolhe uma das diversas valsas que estão salvas na memória do seu celular, e conduz uma dança com a garota que deveria ter seus seis anos. Você a faz rodar e com um passo para cá e outro para lá, simula uma daquelas danças dos filmes de contos de fadas. Ela ri, e você também. Quando a música acaba, ambos fazem reverência, como se ensaiados.

Já com outra música tocando, sua próxima parceira é a senhora idosa que tricotava em um banquinho parecido com o que estava sentado antes. Depois dela, o homem que lia jornal, a babá desesperada, o moço que passeava com o cachorro, o próprio cachorro, a jovem que lia um livro antigo sob uma árvore, o garoto de cabelos violetas e muitas, muitas crianças mesmo.

Quando sua última valsa terminou, vai até o centro da praça e faz uma enorme reverência.

– Senhoras, senhores, meninos, meninas, e qualquer ser que tenha dançado comigo. - diz olhando para todos. - Nesse dia lindamente entediante, vocês me deram um baile. Obrigado. - mais uma reverência.

Os que antes te olhavam feio agora aplaudem, e você achou essa aventura interessante. Vai até o garoto que distribuía flores, aquele com quem você dançou, e pega uma das rosas brancas que ele oferecia. Com um aceno, vai embora com a flor.

Foi estranho, mas foi bom. Talvez eu volte. Recebe uma mensagem no celular, e percebe que perdeu os fones. Não liga para isso, tem outros em casa. Lê o conteúdo da mensagem recebida e sorri. Talvez. Uma incerteza bem grande, já que minhas férias acabam hoje...

Pega o ônibus de volta para casa. Sobe no último andar do prédio onde mora. Entra na casa, junta todos os pertences dentro dela e os manda para um velho amigo que saberia lidar com os objetos. Quando todas as provas estavam eliminadas, era noite.

Satisfeito com o trabalho, você se dirige à sacada. Lá, olha para a igreja, esperando o sinal. Quando a primeira das doze badaladas toca, você já está em queda livre. Estava na hora de voltar para casa.

Às vezes, você tinha uma folga como essa e dava uns momentos de alegria para as pessoas de só uma determinada região onde se confinava. Algumas vezes era cansativo, cheio de pessoas tristes, mas ainda assim recompensador. Outras, era entediante, com pessoas que eram visitadas todos os dias por sua irmã, a Felicidade.

Você sabe que não haverá corpo estatelado no asfalto na manhã seguinte, e que todas as pessoas com quem você cruzou o caminho nesse período de férias só teriam um vago sentimento de nostalgia quando olhassem para algo relacionado a você.

Seu corpo se desfez no ar, e se tornou uma pequena massa quente de brisa. Estava na hora de passar aleatoriamente pelo mundo, sem o direito de escolher seus alvos. Ainda se divertiria, mas seria chato não dançar preso ao chão.

No fim, você era somente o vento da Alegria Passageira, que voltaria um dia. Talvez amanhã, não se sabe para onde os outros ventos podem te levar. Um cheiro familiar e um som reconfortante servem para te trazer a tona. Sua brisa é leve e rápida, e passa despercebida, nem dá pra perceber até que vai embora.

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