Uma declaração de amor: Fanwork

Olha, eu gosto de pensar que eu seria uma das primeiras pessoas a defender obras criadas por fãs, caso necessário. Não só porque eu sou uma consumidora assídua desse tipo de conteúdo, mas por outra caralhada de motivos que sempre me deixam exaltada quando eu começo a falar deles.

Tipo, eu entendo pessoas que não curtem (insira seu fanwork de preferência aqui). Eu entendo que parece estranho para algumas pessoas o ato de criar algo que se monta solidamente a partir do trabalho/existência de outro alguém. Alguns dizem plágio, outros dizem desrespeito e, no caso de pessoas reais, muita gente diz que é nojento/bizarro/ofensivo, além de alguns outros problemas que envolvem fetichização de coisas que não deveriam ser fetichizadas.

E, tipo, eu entendo, porque fanwork, como tudo na vida/sociedade, tem seus dilemas, seus problemas, suas controvérsias... Desde que você não esteja atacando as pessoas que fazem fanworks ou que consumem eles, minha opinião é que sua opinião é válida. Mas, assim, se você vier falar na minha cara que fanwork não presta, que é horrível, que não deveria existir... Eu acho que eu não vou nem conseguir continuar a conversa, sinceramente. Talvez eu até fique em estado feral, de tão frustrada.

Sério, se você não entende o significado de um fandom (e seus produtos) na vida das pessoas, você não entende a sociedade atual. Sim, eu estou falando sério.

E eu meio que vou começar minha declaração de amor por esse ponto, eu acho.

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Eu não sei o quanto você, pequeno ninja, estudou de sociologia. Eu não estudei muito, mas eu sei uns básicos de básicos. E, a partir desse conhecimento mínimo, eu direi que a organização em fandoms se iguala à divisão da nossa sociedade em tribos. Para melhor compreensão, esclareço que uso a palavra "tribo" no seguinte significado "grupo de pessoas com ocupações ou interesses comuns, ou ligados por laços de amizade" que eu não só achei no dicionário, mas também vi na minha prova de sociologia de um ano atrás.

Como exemplo de separação em tribos de acordo com interesse, usarei High School Musical, principalmente a música "Stick to the Status Quo", em que os personagens se dividem em grupos extremamente específicos e estereotipados (os esportistas, os nerds, os skatistas maconheiros...). É perceptível, na performance, que cada grupo tem um tipo próprio de roupas, cabelo, postura, fala. Mesmo quando misturados, no refrão principal que precede a entrada da Sharpay na música, é possível distinguir quem é parte de qual grupo. 


Porque eles são parte de uma tribo, eles têm traços que os diferem de outras tribos, e por vezes os destacam como um lobo em meio aos cordeiros.


Outros exemplos de tribo são góticos, emos, punks, anarcocapitalistas (haha), pessoas de exatas, pessoas de humanas, pessoas de arte...


Só que, às vezes, você não vai encontrar os mesmos interesses no seu grupo de amigos do dia a dia. Às vezes, você não encontrará pessoas para falar sobre certas coisas que você gosta nem mesmo na sua cidade. E, às vezes, tudo que você quer é compartilhar tudo que você gosta com alguém sem precisar se preocupar em apresentar todo um universo de coisas para ela. É aí que entra o fandom.


Para mim, um fandom (cuja tradução literal, se eu não me engano, é "domínio dos fãs") pode ser caracterizado como uma tribo cujo interesse em comum é gostar de uma coisa o suficiente para ser chamado de fã. É uma definição bem aberta, eu sei, e se refere a um bocado de coisas, mas para mim esse é um termo muito abrangente, já que você pode ser fã de qualquer coisa.


Quando você entra em um fandom, você acaba herdando muitos jargões, gírias e expressões. Às vezes, você começa a aderir a certo estilo de roupas, ou cabelo, ou maquiagem, ou decoração. Quando você está em meio ao fandom, você se porta de forma diferente de outras situações. Você e esse outro grupo de pessoas que compartilham certos gostos específicos, com quem você pode agir de certo modo e se descobrir um pouco mais, esse seu pequeno nicho social, isso é uma tribo.



Um fandom é, de uma forma geral, um lugar para expressar seu amor por aquilo que você ama, e é daí que surge o fanwork, que é o tema desse post.

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Fanwork é, de forma geral, algo criado por fãs, inspirado em fandoms de escolha pessoal. Fanwork é um termo amplo que inclui fanarts, fanfics, teorias de fã, headcanons, colagens, gifs, memes, músicas, compilações de vídeos, esculturas, roupas... tudo feito por um fã sobre seu fandom, basicamente.

É incrível a capacidade humana de criar coisas para demonstrar o quanto elas gostam de algo, é incrível a capacidade humana de passar muito tempo desenvolvendo uma habilidade para poder criar algo sobre o que elas gostam, para poder mostrar para o mundo por que elas gostam disso, para demonstrar como elas pensam, como elas reagem, como elas se inspiram por isso. E, olha, eu poderia entrar em todos os aspectos de criação e desenvolvimento artístico envolvidos na criação de fanwork mas, apesar de ser um dos motivos pelos quais eu simplesmente adoro fanwork, não é o principal.

De um jeito muito clichê e sentimental, eu vou dizer que eu amo observar como isso conecta uma pessoa a outra. Eu amo ver como a vida reflete na arte e como a criação contribui para o crescimento pessoal do criador.

Eu vejo pessoas se conhecendo online em eventos de criação de fanfic, pessoas virando melhores amigas depois de trocarem dicas de pintura digital, pessoas discutindo teorias e adicionando informações a elas. Eu vejo dedicatórias e agradecimentos, eu vejo dedicação, frustração, satisfação, arrependimento. Eu vejo sucessos e eu vejo derrotas.

Uma vez, eu li uma fanfic de três capítulos. Foi uma das que quase me fizeram chorar. Nas notas finais do último capítulo, a pessoa que escreveu disse que cada um deles foi escrito em um estágio diferente da saída dela do alcoolismo, sendo que no último ela estava sóbria havia uns meses.

Em uma das fanfics com quantidades gigantes de capítulos que eu li, eu lembro que a autora deixava, nas notas finais, pequenas dicas. Como reagir a um ataque de pânico/ansiedade, truques de respiração, telefones de centros de prevenção ao suicídio (de vários países diferentes), como perceber que uma pessoa/um ambiente/um comportamento faz mal para sua saúde mental... Eu não li todas, eu com certeza não lembro tudo, mas eu me lembro de pensar que era um jeito muito delicado de ajudar os leitores.

Eu me lembro de uma autora que sempre escrevia sobre personagens com asas e com características de aves. Na terceira fanfic dela que li, descobri que ela fazia isso porque ela trabalhava com aves de rapina durante o dia, então ela tinha vários fatos sobre pássaros que ela queria colocar nas histórias.

Há alguns meses atrás eu li uma fanfic imensa que era basicamente uma carta de amor às artes tradicionais japonesas, uma declaração de ódio ao conceito de família tradicional, e um depoimento sobre como a globalização afeta culturas e como é viver em um mundo multicultural. E, depois de passar quase oito horas na frente do computador lendo uma fanfic que eu chamaria de masterpiece, eu descobri nas notas finais que a autora tinha colocado as fontes de cada fato minimamente obscuro que fazia parte do enredo.

Recentemente eu descobri uma autora que é tão conhecida no fandom que as pessoas fazem fanfics das fanfics dela.

Eu li diversas fanfics sobre luto, sobre famílias abusivas, sobre jornadas fantásticas em busca de si mesmo, sobre autismo, sobre depressão, sobre culpa, sobre amizade, amor, orgulho, glória. E, nas notas finais, eu lia sobre experiências, vivências que inspiraram o autor a escrever, pesquisas feitas para descobrir alguns fatos, problemas vividos pelo autor que explicavam hiatos na história, conquistas profissionais e amorosas, situações médicas, conflitos familiares, aprendizados, declarações de amor... eu conheci milhares de histórias de vida, e eu não sei o nome verdadeiro de nenhuma delas.

Eu não sei nem o nome verdadeiro dessas pessoas, mas eu torço para que a vida delas seja a mais feliz que elas possam ter.

E é por isso, pequeno ninja, que eu amo fanwork.

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