Em defesa dos episódios filler
No começo deste mês eu vi Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (aliás, ótimo filme, 10/10, eu provavelmente faria uma resenha se eu escrevesse resenhas nesse blog), e eu postei sobre isso porque eu fui assistir ele no cinema praticamente no último dia de exibição e precisava anunciar pros meus amigos que nós finalmente poderíamos ter conversas sobre o filme que não envolviam minhas conjecturas. Uma amiga (colega? conhecida? Eu tenho muito carinho por ela mas nós nunca fomos necessariamente próximas e fazem anos que nós não nos falamos) respondeu minha postagem com "como vc se sentiu depois de perceber que assistir um filler de 2 horas? justifique."
Obviamente, eu escrevi um textão sobre o que eu achei sobre o filme, mas antes disso eu respondi "Eu vou começar dizendo q, mesmo q eu considerasse o filme um filler (o que eu não considero), eu sou da opinião q fillers são úteis para alguma coisa em 80% das vezes", e esta postagem é sobre isso.
Se você caiu de paraquedas nesta postagem e não faz a mínima ideia do que raios é um filler, eu vou tentar te ajudar (mas saiba que meu conhecimento veio por osmose cultural e não tem uma base acadêmica, então se você não caiu de paraquedas e sabe do assunto, sinta-se livre para me corrigir): Filler é uma palavra da língua inglesa que significa preenchimento e, no contexto de animes e séries, um "episódio filler" é geralmente conhecido como um episódio de "enrolação" que não faz (quase) nada para prosseguir com o conflito principal que está acontecendo na história.
Em animes (principalmente shounen) é um recurso muito usado quando os animadores se aproximam muito dos capítulos mais recentes do conteúdo original (geralmente um mangá ou jogo) e precisam fazer alguma coisa para esperar mais conteúdo que possa ser adaptado, e muitas vezes envolvem muitos flashbacks no meio de batalhas importantes (o que eu acho de mal gosto), ou vários episódios com situações relativamente cotidianas que não afetam o andamento da história, como episódios com viagens, datas comemorativas, spin-offs de coadjuvantes, etc. O ponto é que há vários jeitos de fazer filler fora do contexto de animes shounen em que as batalhas são estendidas desnecessariamente por dezenas de flashbacks.
Por isso, recentemente o termo "filler" começou a ser usado como sinônimo para todo e qualquer episódio que não contribui necessariamente com o conflito principal, mesmo que faça parte do conteúdo original. Há pessoas que não gostam deste uso, mas eu particularmente acho ele pertinente; afinal, esses episódios também servem para o propósito de "preenchimento", mesmo que não do mesmo jeito do sentido original do termo.
Na primeira página do primeiro capítulo de Quatro soldados, de Samir Machado de Machado, o narrador diz "estabeleço o compromisso de que te narrarei somente aquilo que vi; e o que não vi, ouvi; e o que não vi nem ouvi, li. Já aquilo que não vi, ouvi ou li, inventei, pois, se as passagens mais cheias de assombros e maravilhas são todas verídicas , coube às mais banais e cotidianas o fardo de serem todas fictícias, do contrário, como se sabe, a narrativa não anda, e é preciso dar verossimilhança aos fatos." (p.15, 2017). Ou seja, você precisa do ordinário como base para entender a gravidade do extraordinário. Você precisa saber como um personagem age normalmente para haver impacto quando ele muda por causa de uma situação de estresse. Você às vezes precisa ver a dinâmica de grupo dos personagens em uma situação cotidiana comum para entender como essas dinâmica funciona e/ou é afetada por uma tragédia. Além disso, uma história cujo conflito acontece sem pausas para respirar só deixa o espectador exausto e se perguntando como os personagens ainda não desmaiaram de estresse (daí a questão da verossimilhança).
Eu diria que umas das funções principais desses episódios "filler" é contribuir para a construção de personagens e suas dinâmicas. Como exemplos, eu dou os episódios "As histórias de Ba Sing Se" e "A praia", respectivamente das temporadas 2 e 3 de Avatar: A Lenda de Aang, que não contribuem muito para a continuidade do conflito principal de cada temporada, mas dão uma maior compreensão sobre os processos de pensamento e os comportamentos dos personagens em situações fora desses conflitos, assim como os jeitos que eles se relacionam uns com os outros. E, depois, esses episódios servem de base para os espectadores entenderem melhor os motivos de um personagem fazer certas decisões, enquanto outro personagem decidiria algo totalmente diferente. Ou seja, filler muitas vezes é usado como o tempero que dá profundidade ao gosto do prato principal.
Então, acho que uma coisa que contribui muito para sua opinião sobre filler são os tipos de filler que você viu, também. Eu não vejo muitos animes shounen, então eu nunca tive uma experiência horrível. No máximo, foi uma pequena irritação, sabe? Então, enquanto eu tenho quase certeza que minha amiga usou a palavra de forma pejorativa, eu nunca vi filler como algo ruim.
Comentários
Postar um comentário